Crítica: “O Retrato de Dorian Gray”

O Retrato de Dorian Gray (Dorian Gray)

Por Raphael Nogueira

Quem não conhece a história de Dorian Gray, o homem que fez um pacto com o demo para ficar eternamente belo e poder abusar nas festinhas por toda sua vida sem nenhuma consequência? Se você não conhece, esse é o filme para ver e fingir que é culto. Afinal, a história original foi escrita por ninguém menos que Oscar Wilde. Se existe uma história original, logo, esse filme é uma adaptação, assim como alguns outros tentaram fazer anteriormente, ou simplesmente citaram (no filme A Liga Extraordinária, existe esse mesmo personagem), mas não levaram tão a sério a produção como é o caso dessa versão aqui.

O filme na verdade é de 2009, mas só chegou ao Brasil recentemente. Com um trailer inspirador, cujo destaque é Colin Firth (Lorde Henry Wotton), o filme vem também com várias faces conhecidas, como o irmão malvado (Johnny Harris), que já conhecemos de Hancock e outros papéis, a filha de Henry (Rebecca Hall), famosa por Vicky Cristina Barcelona e Atração Perigosa, Fiona Shaw, de Harry Potter, e o próprio Dorian (Ben Barnes), parcialmente conhecido por ter feito As Crônicas de Nárnia.

Este último em especial conseguiu impressionar: no começo do filme parecia um moleque caipira e tonto que chega a Londres sem saber nada, com a postura ingênua e desconhecedor de um mundo cheio de riquezas. Mas  representa bem o processo do personagem, a ganância tomando conta da sua vida, assim como o vício nas bebidas, drogas, festas e sexo, que constantemente aparece, não explicitamente, como algo banal e que é bem-vindo a qualquer momento, em qualquer quantidade, mesmo sendo humanamente impossível copular com 3 in a roll. Tirando ele, o outro destaque do filme é, logicamente, Colin Firth que, como de costume, entra no papel merecendo um prêmio. Seu personagem é engraçado, é o cara que sempre fala mas não faz nada, só ajuda Dorian a ir para o lado negro da força, mas depois é superado pela própria “criatura”. De resto, as atuações não fizeram nada mais que a obrigação, apenas adaptaram o clássico.

Sobre o roteiro, pode se dizer que é bom. Para quem não leu o livro, dá para entender toda a história e a lição de moral no fim (que por sinal é o que salva grande parte da experiência de ver o filme). Não é nada complicada a história, apesar de que, em certos momentos tentam quebrar a linearidade, além de aparecerem uns flashbacks que mais parecem efeitos de vídeo feitos no Movie Maker. Por falar em efeitos, esse é um dos pontos fracos do filme. Onde mais se observa isso são na morte do irmão malvado por um trem (isso mesmo, por um trem) e nos momentos em que Dorian vê sua verdadeira face, completamente ridícula e muito mais velha do que seria realmente, uma vez que se passam 20 anos na história, não 200, para ele ficar parecendo uma múmia careca e cabeluda. Vislumbres dessa ridícula criatura que tenta, porém sem sucesso, assustar, podem ser vistos no trailer.

Se bem que os cenários pareciam terem sido feitos por computação, para recriar Londres do século 19. Se sim, pontos para a computação, enganou bem. Se não, os cenários ficaram muito artificiais. Só nas cenas internas se percebe que foi realmente filmado sem a ajuda da tecnologia, com planos que parecem aumentar ainda mais as luxuosas mansões onde se passam a maioria das cenas. O que posso dizer então, é que os cenários exteriores ficaram pobres, mal explorados, deixando a impressão de uma cidade pequena. Além disso, quase não mostra a pobreza, a sujeira daquela época, a desigualdade. Já os interiores, ficaram soberbos, mobília característica, iluminação correta, até a tapeçaria iconvencia. São indicios de muita pesquisa, que chegou a um resultado muito bom – o filme é estética e visualmente muito bonito.

Agora, após alguns prós e contras que acabam deixando o filme equilibrado na média, posso falar da sonoplastia. Os sons escolhidos para o filme beiram a comédia, sendo que eram para dar uma sensação de medo, deixar o filme mais sombrio e quase do gênero terror. Só que fazem isso tão errado que é quase impossível gostar do filme depois de ouvir os guinchados e barulhos da pintura, que são uma mistura de traqueotomia com os gritos do monstro de O Grito. Sem falar nas larvas que estão no quadro mas depois desaparecem, os “mariscos” que representam a podridão interior do abusado protagonista e o que eles descrevem como um cheiro podre. Detalhe, tudo em um um simples quadro. Claro que o quadro tinha um toque do capeta, mas o acordo entre Dorian e o diabo é muito vago. Percebe-se quando ele é feito, mas é muito informal para uma coisa muito séria. Não há pacto de sangue, assinatura com pena de fênix ou visita do tinhoso, apenas um sim não muito convincente ao seu amigo Henry, que pergunta se ele trocaria a alma pela juventude eterna. Pelo que o filme nos mostra, Henry não é nenhum enviado do inferno, apenas um homem rico, meio louco, que gosta de fumar e fugir da rotina, não sendo possível fazer o acordo com ele.

Em resumo, o que temos é um filme com potencial para ser bom, mas com alguns aspectos que deixam impossível tratá-lo com seriedade. Não recomendo ir ao cinema e gastar seu dinheiro para ver o filme, só irá se desapontar. A não ser que você seja um (a) grande fã de Oscar Wilde (se for do Colin Firth, vá assistir O Discurso do Rei), o melhor a fazer é esperar o filme na sessão da tarde e não se decepcionar tanto.

NOTA: 2.0/5.0

OBS: Amanhã tem crítica de “Fúria Sobre Rodas”


Publicado em Críticas por Matheus Fragata. Marque Link Permanente.

Sobre Matheus Fragata

Formado em cinema pela UFSCar. Jornalista especializado em Entretenimento. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas. Tenho sonhos em 4K, coloridos e em preto e branco.

12 respostas em “Crítica: “O Retrato de Dorian Gray”

  1. Não gostei nada do filme. Mal atuado (inclusive, e principalmente, pelo Ben Barnes), dirigido, editado, adaptado, etc. Não reveria nem na sessão da tarde. Mas é bom ver você de volta, Raphael. Sempre critica filmes diferentes na qual o Matheus nunca comentaria, algo bom para o blog. Abraços.

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  2. Eu acho que sou o único que viu pontos positivos nesse filme, rs, mas reconheço que perde feio pra beleza literária.

    O filme não é assim tão repugnante como muitos cinéfilos apontam, vai.

    Mas, ei Raphael, você escreve bem, viu? Tem todo um estilo próprio, peculiar. Gostei! Crie um blog, rapaz!

    Ou acharei que é um pseudônimo de Matheus, haahuaa!

    até!

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  3. Quando você fala sobre a superficialidade do pacto de Dorian e o Diabo, é por que no livro isso er irrelevante, um mero pretexto para Oscar Wilde discutir, através dos personagens, da hipocrisia da sociedade londrina dos fins do século XIX. Aliás, nada mais atual, se pensarmos e como a nossa sociedade do sécuo XXI exarcerbou a importância da aparência sobre a moralidade. Se pensarmos como muitos, atualmente, “vendem” suas almas( leia-se dignidade, caraáter e integridade) em nome da beleza fama e fortuna, pode até parecer um superficial pacto diabólico. Na verdade é o mais expressivo sintoma de uma sociedade tão apodrecida quanto o retrato de Dorian Gray.

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