A Árvore da Vida (The Tree of Life)
A crítica deixou de ser crítica e virou tese. Então, leia com calma, pois este é o maior texto já publicado no blog. Se cansar, descanse e recomece a leitura. Recomendo o texto apenas aos que já viram o filme porque está repleto de interpretações.
Obrigado,
Matheus Fragata
“Haja Luz”, disse Deus no primeiro dia da criação de todos os seres do Universo. No sexto dia, Deus cria o homem a partir do nono comando. “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança: domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todo o réptil que se arrasta sobre a terra.” Logo após, o Criador recita outro comando direcionado aos homens, “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra e sujeitai-a(…)”. No sétimo dia, exausto pela sua magnífica criação, Deus descansa.
Tudo está bem para o homem. Adão caminha de pés descalços pelo solo verde e fértil aquecido pelos raios solares. Está protegido por Deus e nada é capaz de lhe fazer mal. O Criador permite que Adão desfrute de todas as maravilhas do Jardim Sagrado com exceção de somente uma. Deus proíbe que o homem chegue perto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, pois possui o fruto proibido da morte. Adão obedece veemente a Deus e continua a viver harmoniosamente com todos os seres que habitam o paradisíaco Jardim do Éden. Porém, Adão possuiu um problema de comunicação com os animais. Então, eis que Deus cria Eva a partir da costela de Adão.
Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam disto. Adão explorou os arredores do Éden enquanto Eva era abordada pela serpente, o animal mais astuto do campo. Com suas palavras sibilantes e capciosas, o ardiloso ser convence Eva a tomar do fruto proibido da Árvore do Conhecimento. Convencida pelo argumento ganancioso de que iriam se tornar deuses após comer o fruto, Eva dispara ao encontro de Adão para contar as novidades. Adão, ignorante, não reluta a antiga tentação. Após uma mordida no fruto maldito, Adão e Eva percebem que estavam nus e se escondem nos arbustos. Deus percebe que há algo de errado e pergunta por que suas criações estavam com as vergonhas cobertas. Deus sabia que sua pergunta era retórica e a raiva lhe sobe o intelecto.
O tempo fecha, tudo escurece, os animais se agitam, a Terra treme com a ira do Todo Poderoso. Então, o Senhor procura o animal maldito. Encontrando-o, amaldiçoa a serpente ao posto de animal mais desprezível e a obriga a se arrastar e comer pó até o dia do Apocalipse. Depois, Deus pragueja violentamente contra Adão e Eva condenando-lhes ao trabalho pesado e as horríveis dores do parto. Depois de expulsar os homens de seu Jardim Sagrado, o Criador posiciona um querubim armado com uma espada de fogo na entrada do Jardim e ordena que destrua quem ousar adentrar em tal reduto. Adão e Eva lamentam-se pela terrível escolha que tomaram. Deus havia permitido que comessem do fruto da Árvore da Vida. A árvore que garantia a vida eterna.
Explode o Big Bang. Gases e fluídos se condensam em um processo natural para formar o nosso misterioso Universo. Bilhões de anos depois, os planetas tomam formas. A Terra ainda estoura em magma escaldante em sua atmosfera inóspita. Conforme o tempo passa, o planeta se acalma e resfria permitindo que a vida se forme. As bactérias surgem e começam a evoluir para as mais diversas e complexas formas de vida que conseguimos identificar e categorizar atualmente. Os seres começam a deixar o meio aquático. Os répteis conquistam definitivamente o meio terrestre, porém seu reinado é curto. Os grandes sauros são extintos assim que um meteoro gigantesco colide com a Terra devastando toda a biosfera. A vida, novamente, encontra outro caminho para ressurgir mais uma vez em uma atmosfera tóxica e vil. O pulo evolucional continua. É aniversário de morte do irmão de Jack. O homem de meia-idade ainda lamenta a perda e relembra dos queridos anos 50. Lar de sua juventude e de sua família texana, os O’Brien. Com seus pensamentos, Jack faz uma busca para confortar sua decepção. Em suas memórias, ele se reencontra com sua família e com seu irmão falecido em busca de sua redenção.
O choque de dois mundos
Terrence Malick escreveu uma breve história do universo intercalada com a narrativa da família O’Brien em seu emocionante roteiro. O roteirista e também diretor da obra, provou ser mestre em transmitir as várias mensagens de seu filme com poucos diálogos. Malick traz de volta a boa forma para o cinema que andava meio perdida com diversos lançamentos blockbusters semanais. Ele entende que o bom cinema é aquele que traz ótimas histórias sobre a humanidade de seus personagens.
A história evoca a natureza da mente humana de uma maneira bem subjetiva, mas muito interessante. O teor religioso da obra é elevadíssimo, assim como o natural. Malick divide muito bem esses dois opostos. A natureza é presente com o arco narrativo da formação do Universo e do nosso planeta. É fantástico o modo que o roteirista respeitou a linhagem temporal proposta pelos cientistas atuais a respeito da criação do Universo. Tudo começa com o Big Bang e continua a evoluir até os dias de hoje. Existe, sim, uma linearidade nesse segmento do filme. Isso é notável pela evolução dos seres aquáticos que começam a dominar o meio terrestre. Felizmente, esse segmento não ficou completamente alheio à trama majoritária do filme graças a proposta divina/natural da obra.
A aura religiosa encontra-se na história dos O’Brien. Malick transmite explicitamente os pensamentos de três personagens: o pai, a mãe e o filho, no caso, Jack. Graças a esta exposição dos sentimentos e dos ideais de cada um através de uma narração em off, Malick cria a oportunidade do espectador analisá-los psicologicamente. É aqui que o Id, o Ego e o Superego tomam forma absoluta na história cinematográfica, pois nenhum roteiro conseguiu encará-las em sua plena totalidade. Antes, vou explicar o significado destes termos nunca abordados antes em uma crítica do blog.
Freud propôs que a mente humana é composta por duas partes, a consciente e a inconsciente. O lado consciente apresenta apenas a porção superficial que temos sobre o nosso intelecto. Nenhum ser humano é capaz de analisar perfeitamente seu aspecto inconsciente de sua personalidade. Depois de alguns anos, Freud analisou novamente essa divisão entre o consciente e o inconsciente e criou os termos “Id, Ego e Superego” para defini-la com mais cuidado.
O id é a parte mais selvagem, primitiva e inacessível da personalidade. Sempre busca a satisfação imediata sem ter noção de seus atos. O id busca eliminar a tensão constante da busca pelo prazer. Ele contém a nossa energia psíquica mais básica da personalidade e como está sempre à procura de algo, é preciso de um mediador que controle os atos violentos que poderiam ser causados por uma pessoa que não consegue manter o equilíbrio de sua personalidade. O doente que tem o id em excesso é o psicopata.
O ego é o mediador das ações desreguladas do id. Ele consegue controlar os instintos primitivos da personalidade mantendo um equilíbrio teoricamente perfeito com as consequências do mundo externo, o mundo material. O ego representa a razão, o contrário da paixão irracional do id. Busca, também, o prazer, porém obedece aos princípios da realidade. Ele atinge o prazer ao encontrar o objeto apropriado para lhe satisfazer. O ego não existe sem o id, aliás, extrai suas forças dele. E luta constantemente contra o id para satisfazer as necessidades dos instintos mais primitivos do homem.
O terceiro componente da personalidade é o superego. Ele representa a moralidade e é desenvolvido desde o nascimento da criança. O superego é formado pela educação que o indivíduo recebe de seus pais. Distingue o certo e o errado, o bom e o ruim e cria os valores e a moral do intelecto da pessoa. Também estabelece uma relação entre a recompensa e a punição merecida proveniente de seus atos. De uma maneira mais simples, o superego é aquele lado que grita dentro da sua cabeça “não faça isso ou aquilo. Isso é errado!”. Ou seja, freia seus atos a fim de alcançar a perfeição do ser. A religião está diretamente ligada ao superego dependendo da educação do indivíduo.
Explicados os termos psicológicos, vamos a análise da segunda parte do roteiro impecável de Terrence Malick. Ele trabalha muito com metáforas e sugestões ao longo da narrativa. Entretanto, alguns aspectos prefere deixar bem explícito a fim de tornar sua obra relativamente fácil para todos os públicos. De início, Malick apresenta Mrs. O’Brien em sua juventude. Ele explica que a mulher teve uma criação religiosa o que define muito bem seu perfil bondoso e ingênuo. Mrs. O’Brien é um retrato da mulher dos anos 50. Religiosa, dona de casa e calma, uma pessoa que se preocupa apenas com a educação caseira de seus filhos. Ela é o ego perfeito. Aceita sua rotina e quase nunca transparece sua personalidade primitiva. Suas mensagens sempre relevam o amor e a religião e contam com um leve ar de didatismo. Fora isso, Malick faz uma crítica inigualável ao homem em relação ao modo que tratamos a natureza através da mensagem de Mrs. O’Brien.
Eis então que entra o autoritário Mr. O’Brien. Malick trabalha espetacularmente esse personagem. A personalidade do personagem é imprevisível. Ele é o ego que permite que o id comande por alguns momentos. Mr. O’Brien tem um discurso mais áspero, ganancioso e extremamente didático. Ele tem convicção no que faz e acha seus métodos eficazes, porém é cego pelo orgulho e não percebe que está criando uma atmosfera incômoda no relacionamento com seus filhos. A educação que o homem dá aos filhos é rígida, exigente e intolerante, mas ele não é um monstro. O’Brien só percebe que está extrapolando quando o meio externo atinge diretamente seu orgulho, seja com um abraço desesperado do filho ou com conflitos no trabalho.
O personagem também tenta se informar sobre tudo e todos para tentar reprimir um sentimento ignorante que é evidenciado apenas uma vez no filme. Além disto, o personagem busca constantemente ser gratificado por suas conquistas denotando uma grande necessidade de atenção e uma carência afetiva. Afinal, é um homem que carrega a decepção do “sonho americano” nas costas. Além disto, Mr. O’Brien é levemente hipócrita e invejoso. Ele não percebe que o dinheiro não traz, obrigatoriamente, a felicidade.
E o personagem mais rico do filme inteiro, Jack. O espectador acompanha a infância instigante do garoto e breves momentos de sua fase adulta. Malick trabalha com opostos ao apresentar o Jack adulto, amargurado e triste, e o Jack jovem, energético e amável. O psicológico dele é o mais trabalhado e interessante. Malick introduz questionamentos que todos nós fazemos através dos discursos de Jack. O personagem questiona os métodos suspeitos e cruéis de Deus e pragueja contra o pai.
Jack é o ego instávelem formação. Há momentos que o garoto precisa extravasar e liberar seu id. Porém, o arrependimento do ato realizado e o medo de suas consequências deixam o superego elevadíssimo. Assim, a ansiedade é uma característica constante no intelecto de Jack graças à tensão que seu ego recebe a todo o momento.
Ele sofre com a censura paterna e só tem liberdade quando seu pai se ausenta. Aliás, o conflito parental que Malick constrói é um dos melhores que já vi. Jack é um misto de paixões com a necessidade de explorar. Conforme a relação com o pai piora, ele fica mais agressivo. Suas brincadeiras passam a ficar mais perigosas e cruéis, porém, assim como seu pai, não é um monstro. O personagem também é carente e por ser jovem, não sabe lidar com a decepção, culpa e, principalmente, com a raiva. As traquinagens são uma válvula de escape para liberar todo esse sentimento preso. O garoto sente uma obrigação de descobrir um talento para agradar o pai, afinal, é o mais velho e é o “patinho feio” da família. Por isso, sente uma notável inveja de seu irmão que consegue se comunicar melhor com os pais. É interessante notar que Jack busca o perdão, porém não consegue perdoar os outros.
Com personagens tão bons, a história narrativa não poderia ser diferente. Malick trabalha com a vida e suas situações. O filme traz vários momentos que todos nós já vivenciamos e, consequentemente, o espectador sentirá uma nostalgia de sua infância, de seus pais, de seus amigos, de suas brincadeiras… A linearidade da história pode ser confusa para alguns, pois alguns segmentos não têm muita relação com o que o precede. Entretanto, isso é uma característica única no filme de Malick. A história é feita de memórias do protagonista e, por isso, elas não seguem uma linearidade expressiva. Afinal, nossos pensamentos não seguem nenhum padrão pré-estabelecido. O nome desta característica é “fluxo de consciência” e ela raramente aparece em filmes ou livros.
Praticamente nada escapa dos olhos atenciosos do roteirista. Ele, de fato, conseguiu realizar um breve resumo da vida e de suas paixões – em dado momento do filme, pensei: “Ele tem tudo!”. Porém, nem tudo é perfeito na escrita impecável de Malick. Existe uma versão do longa com a decupagem original com seis horas de material pronto. A versão dos cinemas tem apenas duas horas e vinte minutos. Obviamente, várias relações saíram prejudicadas por isto. É evidente que várias cenas receberam mais atenção na versão do diretor.
O primeiro amor de Jack é um exemplo perfeito disto. Fora isso, alguns personagens também não recebem nenhum aprofundamento. Steve, o irmão mais novo, é minimamente explorado. No fim do longa, senti que Malick conseguiu contar e transmitir a principal mensagem do filme. Mas tenho certeza que tinha muito mais ali a ser explorado.
A humanidade como ela é
O elenco de “A Árvore da Vida” é de cair o queixo. Todas as atuações possuem uma naturalidade inacreditável. Brad Pitt deixou seu semblante de galã há tempos. Ele tornou-se um sinônimo de qualidade, um ator excelente. O psicológico de Mr. O’Brien só fica explícito desta maneira por causa de sua atuação – é impossível imaginar o papel nas mãos de outro ator.
Pitt tem um ar severo no seu olhar. Carrega uma atmosfera tenebrosa enquanto contracena com as crianças. O espectador sente que a instabilidade temperamental do homem pode explodir a qualquer instante e fazer mal para as crianças. Entretanto, mesmo com essa atmosfera tensa nas cenas que acompanham o relacionamento do pai com os filhos, Pitt transmite subjetivamente que nunca seria capaz de fazer mal a sua mulher transpondo uma relação de respeito e amor.
“Os olhos são a janela da alma”, disse uma vez Leonardo da Vinci. E como ele estava certo. Os olhares de Brad Pitt transmitem todas as características do personagem, mas isto não torna Mr. O’Brien um homem superficial. É uma complexidade compreensível, um claro enigma. Uma antítese em movimento. Ao mesmo tempo em que Pitt molda olhares fascinados e apaixonados pela perfeição física de seu filho recém-nascido, também constrói expressões de extrema fúria e ira. O ator trabalha a característica instável do personagem muito bem ao longo do filme. Ele apazigua seu temperamento assim que percebe a amplitude de seu conflito com Jack.
A linguagem corporal do ator é outro espetáculo e também reforça o tom autoritário do personagem – repare como ele sempre aponta, ameaçadoramente, o dedo indicador quando corrige as atitudes de seus filhos. A atuação de Pitt é composta de vários acertos como a cena em que ensina seus filhos a lutar. Os únicos momentos em que o ator deixa as expressões preocupadas e autoritários são aqueles em que contracena com Jessica Chastain, Mrs. O’Brien.
Chastain encarna o espírito da maternidade com uma suavidade fantástica. Ao contrário do pesado Mr. O’Brien, Mrs. O’Brien é a leveza pura, o lado gracioso da película. A mulher conta uma beleza clássica para ajudar a construir sua personagem que não vê maldade nas atitudes naturais do marido. A atriz emana bondade e felicidade, mas também sabe construir expressões naturais de desconfiança. É incrível notar como Chastain incorpora o espírito da mãe. A linguagem corporal da atriz é expressiva. Em uma cena, foge da brincadeira dos filhos com movimentos estabanados e mornos explicitando que também estava se divertindo com as palhaçadas dos garotos. Mas também sabe assumir poses inquisitoriais. A feição levemente emburrada acompanhada com a pose em que ela coloca as mãos na cintura deixam claro o sexto sentido da mulher quando desconfia das atitudes de Jack.
O elenco mirim não compromete chegando até a surpreender em vários momentos. Hunter McCraken torna Jack O’Brien um personagem único. Como ainda é criança, a naturalidade de sua atuação é apenas uma consequência bem vinda. Não é exagero chamar a atuação deste moleque nada menos que perfeita. Repare como muda sua feição toda vez que Brad Pitt entra em cena ou quando ele o abraça. O incômodo é perceptível em sua face assim como na postura encolhida. Ele tem medo e ódio do pai. Até sua dicção chama a atenção do espectador quando ele discursa em off. Ao contrário de seu pai e de sua mãe, Jack sussurra para o espectador evidenciando a grande censura e retração que o personagem sofre. O garoto trabalha muito com sua expressão corporal. Uma criança nunca consegue mentir, seu corpo sempre diz a verdade que o cérebro tenta esconder. Quando Jack exagera nas suas brincadeiras ou faz mal a alguém, McCraken assume uma expressão torta, nervosa, assustada e curvada. O ator não deixa de impressionar a todo instante. Responde muito bem as cenas dramáticas e as cômicas – a cena que ele encarna o tom de Mr. O’Brian é impagável. O melhor de tudo é a sutileza do ator – nada fica caricato ou indigesto em seu personagem.
Laramie Eppler vive o irmão do meio da família O’Brien. O ator cria uma figura misteriosa, amável e bondosa para o personagem que se assemelha muito com a mãe – ao contrário de Jack, parecido com o pai. Sean Penn detonou o filme em algumas entrevistas. A causa disto deve ter sido seu tempo curtíssimoem tela. Penn trabalha muito com olhares desolados e melancólicos com uma feição que pouco varia. Penn trabalha poucas vezes com sua linguagem corporal. Somente duas vezes ela se torna relevante. Uma, quando o personagem tem uma dificuldade absurda ao atravessar uma porta no limbo de suas memórias – a porta representa o perdão, a anistia, a redenção espiritual de Jack. E outra, quando Penn cai de joelhos, exausto e estupefato, por ter conseguido encontrar a memória que tanto procurava. Ou seja, a atuação de Penn é composta de metáforas e significados. Porém, não deixa de ser decepcionante não conhecer um pouco mais do personagem em sua fase adulta – novamente a decupagem cinematográfica comprometeu alguns segmentos do filme.
A pintura feita de luz
Emmanuel Lubezki é o diretor de fotografia de “A Árvore da Vida”. É a segunda vez que o cinegrafista trabalha com o antissocial Terrence Malick. A característica mais gritante da fotografia de Lubezki são os opostos cheios de significado que cria no início da projeção. Primeiro, o cinegrafista apresenta os saudosos anos 50 estadunidenses. As cores são saturadas e o verde de sua paleta, exuberante ao extremo. Logo depois, o espectador é jogado no mundo atual. Lá, os tons assumem cores metálicas, pálidas, monocromáticas e completamente sem-graça. O verde, que preenchia a tela nas cenas anteriores, desaparece. E os tons cinzentos reinam absolutos. O branco, que representa o vazio no caso, também é muito presente nos segmentos que acompanham Jack já envelhecido.
Com isso, Malick e Lubezki criam uma aura nostálgica, viva e mística para o passado. E o presente fica retido apenas no trabalho exaustivo. Os homens deixaram o altruísmo e abraçaram o egoísmo. Não vivemos mais pelos outros, mas sim pelo trabalho. Pelo nosso próprio ganho e mérito. Apenas com as cores certas, Lubezki consegue criar várias críticas ao mundo contemporâneo.
Raramente o cinegrafista se encontra limitado aos tons azulados e amarelados tão comuns nos filmes atuais. Quando trabalha com essas cores, insere-as no segundo ou no terceiro plano criando contrastes entre elas. E é criativo ao criar esses contrastes. Tome o seguinte plano como exemplo: quando Jack espiona a briga dos vizinhos, nota-se que as paredes exteriores da casa recebem tons azulados. Já no interior do cenário, os tons são predominantemente amarelados. Assim, além de inserir o contraste belo, Lubezki adiciona uma ilusão de profundidade exemplar.
O mundo cheio de vida do passado também conta com outro grande manejo de iluminação de Lubezki. O cinegrafista e iluminador pinta obras de arte em movimento com sua luz incidente. A artística incidência é a mais natural que já presenciei. Ele a incide no cenário e nos atores de maneira levíssima permitindo uma modelagem de sombras peculiar e mais atenciosa. Com o auxílio de cortinas, Lubezki consegue suavizar a luz natural do Sol nas cenas internas diurnas. O fotógrafo também gosta de trabalhar diversas vezes com projeções de sombras muito inspiradas.
Lubezki também dá significado em técnicas que acabaram banais no cinema hollywoodiano. O efeito contraluz é bem expressivo em sua fotografia e a partir dele, consegue moldar silhuetas impecáveis. Outro manejo de iluminação muito inspirado são os flashes de luz que aparecem apenas uma vez durante o longa. Lubezki mimetiza a iluminação típica de faróis. Ou seja, a luz percorre todo o cenário permitindo uma modelagem de sombras fantástica. O truque adiciona uma teatralidade inestimável para a cena. Os reflexos também são inspiradíssimos.
Entretanto, a técnica de Lubezki não se resume apenas a iluminação. Ele usa diversos tipos de lentes para capturar as imagens. Em vários momentos do filme, utiliza um recurso chamado deep focus. Assim, deixa algumas imagens completamente nítidas sem nenhum desfoque. Perceba que em todas as cenas diurnas, interiores ou exteriores, a presença do Sol causa uma superexposição de luz belíssima. Graças a isto, o cinegrafista encontra oportunidade de aproveitar artisticamente, a refração de suas lentes. Malick usou três casas para filmar as cenas interiores. Fez isso para que a luz do sol sempre incidisse diretamente no cenário. O manejo do diafragma das lentes é igualmente bem feito. Isso é perceptível em um plano que mostra R.L. tocando violão na varanda. Repare que assim que a câmera se aproxima do garoto, Lubezki abre o diafragma constituindo uma atmosfera espiritual para a cena.
Douglas Trumbull é o responsável pelos magníficos efeitos visuais do longa. O homem estava afastado desta área cinematográfica por trinta anos e seu retorno não poderia ter sido melhor. O primeiro trabalho em efeitos visuais de Trumbull foi “2001: Uma Odisséia no Espaço” e muitos sabem que esse aspecto do filme é fantástico, aliás o filme inteiro é. O melhor de tudo isto? Trumbull criou a maioria dos efeitos visuais de “A Árvore da Vida” com o auxílio mínimo de computação gráfica – ele utiliza apenas para compor profundidade na imensidão negra com poeiras cósmicas virtuais.
Trumbull criou toda a exuberante sequência da criação do Universo com líquidos, fluidos leitosos, pós-coloridos, tintas, químicos, soluções fosforescentes, flares, CO2 e luz, muita luz. As formas geométricas abstratas feitas para a cena são belíssimas. É a harmonia no meio do caos. As hipnóticas imagens criadas são a noção perfeita da Gestalt. Tudo é belo, cósmico, espiritual, físico, colorido e cheio de textura nesta sequência. Para gravar essas cenas, Lubezki utilizou câmeras especiais com zooms ópticos gigantescos, além de contar com uma velocidade de captura aceleradíssima. O espetáculo da computação gráfica acontece nas cenas que envolvem os dinossauros.
Quando um compositor não basta…
A música original do filme foi composta pelo competente Alexandre Desplat. É difícil perceber o que é trilha original e licenciada no meio das diversas músicas do filme. Entretanto, após escutar pela internet, reconheci quais eram as músicas de Desplat. Novamente, o compositor explora notas repetidas no piano – isso aconteceu na trilha de “O Discurso do Rei”. O piano é o instrumento mais expressivo em várias composições. É importante ressaltar que algumas músicas assumem um tom muito ameaçador através dos acordes graves e lentos dos violinos.
Na verdade a trilha do longa é muito parecido com a de “O Discurso do Rei”. Essa característica de repetir escalas, tons e notas é constante nas músicas do filme. Elas são bem tranquilas e sempre contam com um fundo musical constante de violinos. Várias são cíclicas e bem monótonas explicitando o clima pacífico dos anos 50. Às vezes, Desplat utiliza harpas para fugir da mesmice. Em suma, a trilha original não surpreende e é bem calma. Entretanto, a música de Desplat não chega nem perto da qualidade da trilha licenciada composta de inúmeras composições clássicas.
Desplat e Malick selecionaram músicas imperdíveis para a trilha sonora licenciada. São inúmeras as composições, entre elas “Funeral Canticle”, de John Tavener; “Lacrimosa”, de Zbigniew Preisner; “Siciliana Da Antiche Danze Ed Arie”, de Ottorino Respighi; “Hymn to Dionysu”, de Gustav Holst; “Má Vlast Moldau (Vltava)”, de Bedrich Smetana; “Symphony No. 4 em E menor”, de Brahms; “Lês Barricades Mysterieuses”, de F. Couperin; “Toccata e Fuga”, de Johann Sebastian Bach; “The Well Tempered Clavier”, de Johann Sebastian Bach; “Requiem – Agnus Dei”, de Hector Berlioz, entre outros.
Transcendendo Malick
Terrence Malick é conhecido por ser desconhecido. O diretor é completamente misterioso e existem pouquíssimas fotos dele. Ele não aparece em eventos nem para ser premiado. O cara é completamente antissocial. Não se importa se gostam dele ou não e tampouco se gostam de seus filmes, mas a verdade é esta, ele faz cinema como ninguém.
Sua obra bate de frente em termos de genialidade com a obra-prima de Stanley Kubrick “2001: Uma Odisséia no Espaço”. Obviamente, Malick não conseguiu atingir o nível de sacadas brilhantes que Kubrick atingiu em seu longa, mas chega perto – na minha opinião, a melhor sacada da história do cinema é o salto evolucional do osso para o espaço que Kubrick esculpiu num belo slow motion. As sacadas de Malick são mais humanas e observadoras. Isto é claro quando filma a oscilação débil de um balanço acompanhada de um movimento genial de câmera – Malick maneja sua câmera como ninguém. Os movimentos são fantásticos. Outro exemplo é quando filma as sombras das crianças brincando na rua.
Quem conhece as obras antigas de Malick – quatro longas no total – sabe que é um diretor que ama filmar paisagens e a natureza. Primeiro, Malick explora várias cores com imagens estonteantes da criação do Universo e da Terra – aqui a contraluz é ainda mais expressiva. Se Kubrick preencheu seus devaneios cômicos com “Danúbio Azul” de Richard Strauss, Malick enche os ouvidos do espectador com “Lacrimosa” de Zbigniew Preisner enquanto filma supernovas e nebulosas. Tudo é mágico no filme de Malick.
A água aparece diversas vezes nas imagens da natureza. A vida só existe por causa da água e o diretor realça isto em excesso. Malick filmou a natureza de todas as maneiras possíveis — em tomadas submarinas que capturam a majestosa formação das ondas e a dança das algas impulsionada pela correnteza fluvial, em tomadas aéreas que esbanjam a dimensão grandiosa da paisagem e em tomadas terrestres que mostram a terrível fúria da natureza que supera a fúria do homem. O diretor gosta de trabalhar com abordagens filosóficas ao inserir diversas vezes a imagem de um rio ao longo do filme. Todos nós conhecemos ou estudamos o famoso provérbio de Heráclito, “Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros”. Aqui a imagem é recheada de significado.
Por que Malick abordou a criação do Universo em sua obra? Ora, isso é simples de responder. Imagino que o diretor quis criar um paralelo entre os arcos que acompanham a infância de Jack com a infância do Universo. Ambos são explosivos, intolerantes e ansiosos para começar a viver sem que algo os limite ou censure. As metáforas são outro aspecto muito relevante de “A Árvore da Vida”. Seja nas rápidas imagens dos palhaços ou da figura misteriosa do homem no sótão, o diretor sempre levanta questionamentos e interpretações para todos os espectadores.
O teor religioso é elevadíssimo como havia escrito na parte do roteiro. Malick questiona Deus e seus métodos e, principalmente, a fé dos homens. Entretanto, não deixa de responder seus próprios questionamentos. Seja no dinossauro misericordioso que poupa a vida do outro ou no desfecho onde todos os personagens aprendem a perdoar – até Mrs. O’Brien perdoa Deus. Aliás, Malick mostra a divindade diversas vezes no decorrer do filme através de uma figura misteriosa, quente, abstrata e bela. Repare que quando a imagem aparece, Malick remove a sonoplastia da cena deixando tudo em um breve e profundo silêncio a fim de causar um momento de reflexão para o espectador.
O diretor também sabe aproveitar as técnicas disponíveis para tornar seu filme ainda mais envolvente. Malick é criativo ao utilizar o time lapse e ao filmar as diversas árvores que aparecem no filme – sempre de baixo para cima –, lembre-se que é assim que você vê uma árvore. Apenas uma vez, o cineasta filma as árvores com um ângulo diferente.
Outra comparação que Malick cria é bem interessante. Repare que com distorções de lentes, o diretor deixa os arranha-céus ainda mais altos. Com isso, o cineasta deixa subentendido que, no passado, os objetos mais altos do mundo eram feitos pela paciente modelagem da natureza e não pelas mãos apressadas do homem.
O filme de Malick é sinestésico, ou seja, mistura sensações físicas. O tato é a sensação mais explorada pelo diretor. Os personagens sempre estão em contato com alguma coisa. Seja no abraço quente da terra, no toque refrescante da água, na textura áspera da rocha, na suavidade da grama, etc. Outro trabalho exemplar de Malick é a construção dos personagens. Seu envolvimento com o elenco é tão bom que o público cria uma empatia fortíssima com os personagens. A plateia se preocupa com os garotos e com o futuro da família O’Brien. Aliás, o diretor lança sugestões a todo instante deixando o espectador tenso e curioso em descobrir o desfecho da cena ou do conflito. Malick entende que uma imagem vale mais que mil palavras, mas acho que não captei bem a mensagem ao escrever este texto.
Mas e a tal “Árvore da Vida”? Ela aparece no filme? Sim, surge rapidamente no desfecho do longa. Ela é visível em terceiro plano e a imagem dura apenas alguns segundos. É frágil, escondida e pequenina. Exatamente como algo precioso deve ser. O mais interessante disto tudo é que nenhum personagem percebe sua existência em meio à cena. Ali, o homem não tem ganância. Ali, tudo emana bondade. Ali, o altruísmo e o amor vêm em primeiro lugar.
Ode à vida
Estamos encarando o melhor filme do ano ou talvez da década ao assistir “A Árvore da Vida”? Sinceramente, não sei responder. O filme é excelente e repleto de simbolismo. A mensagem é inspiradora e bela. A fotografia é uma das mais bonitas que já vi e a música toca a alma. Entretanto, este longa é uma experiência completamente pessoal. Existem pessoas que não sentirão nada ao assisti-lo, mas outras acharão outro significado para sua existência. Eu não tive uma crise de existencialismo no meio do filme, mas o achei um entretenimento de primeira qualidade. Ele explora sua inteligência e suplica para que você o interprete. Até mesmo ateus podem gostar do longa, apesar de seu cunho religioso. O que tenho certeza sobre este filme é que estamos encarando uma obra de arte. Difícil, lenta e confusa, mas nunca deixará de ser uma obra-prima lindíssima. Ame ou odeie, mas Terrence Malick provou ser um diretor de extrema precisão.
NOTA: 5.0/5.0
Dedico este texto aos meus amigos Otavio Almeida – “Tudo bem aí?”, Luiz Santiago, Caio Viana, Dorotéia Fragata, Thiago Valiati e Otavio Campregher.
“You will be grown before that tree is tall”
“Do not slam that screen door!”
Lindo. Estupidamente lindo. Um dos melhores do ano.
http://cinelupinha.blogspot.com/
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Concordo, Rafael!
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Hahahahhaha, obrigado! Ficou sensacional o teu texto. Parabéns! Talvez o melhor do “Bastidores” até aqui. E, no fim, você deu nota 5. Ainda não terminei meu texto, pois fiquei doente – febre, cama – nos 2 últimos dias. Mas agora estou melhor. Posto em breve.
Abs!
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Imagina, Otavio. Você merece! Muito obrigado, viu? Foi como escrevi uma hora dessas, “cada um com suas obras-primas, caro Terrence Malick!”
Espero que melhore logo para postar seu texto. Estou ansioso!
Abraços!
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Que honra! Muito obrigado!
E veja como são as coisas com esse filme: o nível de subjetividade é tão alto, que não tem como não ressaltar a genialidade de Malick, como você salienta no final. Como você sabe, o filme não me agradou como produto cinematográfico, embora seu texto traga elementos que exaltam a obra, merecidamente. Dentre esses pontos por você levantado, vou colocar coisas minhas:
1 – Fiquei mais empolgado com o elenco infantil do que você. Embora não tenha salientado isso em meu texto, meu olhar para os pequenos teve bem mais alumbramentos…
2 – A música do Desplat é realmente normal, num alinha não muito diferente do que ele apresentou nos últimos 5 anos… A música incidental é realmente uma revelação divina. “Lacrimosa”, mais do que qualquer outra, me meta por dentro. Esse cena, é de um poder impossível, quase.
Eu gosto do Malick. Mas é interessante que onde eu vejo formalismo demasiado, você vê espaço de criação. Ou seja, nossa relação com a obra foi de fato muito oposta.
Conversaremos a respeito…
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Imagine, Luiz. A honra foi minha em dedicar o texto a vc. Falei que vc não iria gostar da nota hehehe.
Eu adorei o elenco das crianças, até chamei perfeita a atuação do garoto que interpreta Jack. Espero que nós tenhamos conversado bastante no sábado. Foi um prazer te conhecer!
Abraços!
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Você definiu muito bem o que é A Árvore da Vida no fim de seu texto imenso, rs. Uma obra de arte. Tudo é perfeito aqui – as luzes, o silêncio, as imagens, o argumento, a história. Malick conseguiu resumir existências em pouco mais de 2 horas por meio de imagens belíssimas conectadas ou não. E seu texto? Maravilhoso. Valeu a pena ler tudo, até acho que ele é melhor que o próprio filme. Realmente essa obra-prima de Malick tem um valor inestimável, mas achei alguns pontos que não me agradaram no resultado final. De um modo ou de outro, é um filme para se ver ao menos uma vez na vida e, assim, ver a vida retratada de forma completa no cinema.
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Ô, caro Gabriel! Eu adoro quando vc comenta por aqui. Fico extremamente feliz em saber que vc leu o texto inteiro. Haha, muito obrigado pelo elogio – gostei bastante. Exatamente, é como vc sabiamente escreveu “é um filme para se ver ao menos uma vez na vida”. O tema foi algo inédito, simples e muito agradável.
Abraços!
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Lindo texto Matheus, continue assim.
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Ae Rodolfo! Agora o texto ganhou classe!
Muito obrigado!
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Como sempre, um brilhante crítica.. Mal posso esperar para ver o filme. Parabéns!
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Obrigado Ia! Não deixe de assistir ao filme!
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Antes de tudo, gostaria de agradecer a menção feita ao meu nome. Fico honrado!
The Tree of Life é o melhor filme, sam dúvidas, desta promissora década que se inicia que já conta com obras-primas como Cisne Negro e Bravura Indômita.
É um filme perfeito em todos os aspectos. É impossível encontrar um defeito no filme. A dobradinha Malick/Lubezki é magistral e constrói uma das fotografia mais belas da história do Cinema.
Uma obra-prima do diretor. Malick demonstrando como é gênio.
Excelente crítica Matheus, continue assim.
Abraços
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De nada, Thiago! Achei que vc merecia! Concordo contigo, “Árvore” esbanja qualidade e supera de longe várias obras que saíram este ano.
A estética do longa é mesmo perfeita! Preciso conhecer os outros filmes de Malick para chama-lo de obra-prima, mas aposto que esse é o melhor filme dele.
Muito obrigado, Thiago!
Abraços!
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Ok, não li o texto inteiro, admito. Mas também concordo que é um excelente filme, o melhor do ano por enquanto. Malick é genial e sua história pura e esteticamente soberba. Já ficou para a história. Abraços.
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Pena que não leu tudo. Perdeu a chance de ver uma interpretação única dentre de várias outras.
Abraços!
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Matheus,
Aquela espiral de vitrais me recordou algumas ilustrações que já vi sobre o ciclo da vida. Interessante.
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Sério, Márcio? Me passe a ilustração se possível, me deixou curioso.
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A melhor crítica que já li sobre esse filme, sem dúvida!
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Muito obrigado, Mariana! Alegrou meu dia hehehe.
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Puta merda Matheus, essa sua crítica aí põe qualquer tese de doutorado no chinelo, haha!.
O chato é que não deu de assistir no cinema [não teve lançamento por aqui e nem vai ter =(] e na net só tem aquelas versões porcas gravadas com TekPix; provavelmente vou ver essa joça só daqui seis meses… Enfim, eu já tava ficando com o pé atrás com esse filme, eu tava vendo umas discussões muito bestas sobre ele de uns babacas que tavam se achando OS intelectuais por terem “entendido” a obra e chamando quem não gostou de ignorantes. Mas aí eu li a sua e algumas outras críticas que parecem ter entendido de verdade o filme, que não é algo intelectual ou “cerebral”, mas sim filosófico e emocional, e quem não gosta não é porque é burro ou imbecil e não entende de cinema [coisa mais ridícula pensar isso], mas porque não vê as coisas do mesmo jeito que o diretor. Agora é que eu vou conferir mesmo…
Abraços.
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Aeee Yuri!!! Só consegui te responder agora, meu irmão! Minha vida está uma loucura, cara.
TekPix foi épico mano hauhauhaua. Eu também estava suspeitando de “Árvore” tanto que logo depois da projeção não sabia qual nota dar hehehe.
Então cara, li várias resenhas negativas e positivas a respeito do filme, mas quase sempre sentia uma grande petulância por parte do autor.
Exato! É uma experiência psicológica, filosófica, religiosa e emocional. Entretanto, não gosto da maneira que esse pessoal está destratando o filme.
Me avise quando vc conferir, mano!
Abraços!!!
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Esquenta não, é assim mesmo, final do ano o negócio aperta mas acaba tudo certo!
Pois é, eu consegui assistir o filme… E vou falar, não gostei muito não! Tipo, a parte do meio [dos 40 aos 120 minutos] foi incrível, ver como Jack crescia e se relacionava com tudo à sua volta foi sensacional; a fotografia é muito bonita e Brad Pitt e Jessica Chastain [fiquei apaixonadíssimo pela personagem dela] dão um show de atuação… Agora, os primeiros 40 minutos e os 20 minutos finais ficaram muito forçados pra mim, não senti nada além de frustração; acabei decepcionado por não ter conseguido gostar de “A Árvore da Vida”, daria um 2.5/5, bem no meio-termo; queria mesmo que ele tivesse me atingido como fez contigo e o pessoal, mas é assim mesmo…
No mais, força aí Matheus, que logo passa essa loucura!
Abraços!
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Matheus, concordo com o 5/5, para mim o melhor do ano, sem dúvida, um filme grandioso, pretensioso e perfeito (até nas suas “faltas”).
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Sim! Um filme realmente fantástico, Eduardo! Espero que vc volte para comentar mais!
Abraços!
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Faço das suas, as minhas palavras!
Volte sempre, caro!
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Sua crítica está lindíssima. Sinto-me orgulhoso por dar aula para você e ao mesmo tempo chateado por não ter descoberto há mais tempo o seu talento. Como seria rica sua contribuição aos cineaulas que dei no começo do ano! Além disso, foi muito gostoso e enriquecedor ler o seu texto. Serviu para engrandecer meu final de semana. No sábado, vejo o filme. O impacto foi tão grande que sonhei com o clima dele. Acordo, leio o seu texto. Que vai ser de mim então depois dessas experiências?
Entretanto (essa conjunção não é introdutora de depreciações, fique calmo), gostaria de lançar mais umas questões para sua análise. Em primeiro lugar, acho interessante lembrar que nossa civilização (judaico-cristã) realizou uma fratura que de certa forma foi um crime: nos separou da Natureza. Assim, o Deus masculino acabou se sobrepondo à Deusa feminina, a Natureza, a mãe, a criação. As duas divindades coexistiam no universo primitivo hebreu, mas uma acabou sendo subjugada e maledicentemente associada ao mal e à serpente ou a Eva (nas versões primitivas do mito de Adão e Eva não existia a serpente, a tentação veio de Eva mesmo). O resultado dessa fratura está em nossa relação predatória com o mundo, que erroneamente enxergarmos como um outro, sem perceber que somos uma coisa só. Lembra que Deus criou o homem para cuidar do jardim do Éden e para subjugar todos os seres? Eu comecei a lembrar isso tudo vendo A Árvore da Vida. Via no pai a imagem do Deus cristão, que nos fez à nossa imagem e semelhança (o próprio filho reconheceu que é muito parecido com o pai) – devemos subjugar a Natureza. Isso ficou mais nítido para mim no momento em que Mr O’Brien (é esse o nome?) subjuga sua esposa diante da pia da cozinha. E a mãe, subjugada, é a Deusa Natureza. Ainda assim, subjugada, ela continuava a amar, a gerar e cuidar da vida.
Mas nessa mesma cena outra coisa me chamou a atenção. O conflito entre pai e mãe terminava num abraço. Há muito amor no filme. Os abraços e carícias são constantes entre todas as personagens. Até as coisas erradas que o pai fazia eram fruto do amor – ele queria o melhor para os filhos. Lembrei-me então da relação entre Deus e Adão no Velho Testamento. Há interpretações que dizem que o Homem foi criado para tirar Deus da solidão. Assim, quando Deus circulava no Éden, logo após Adão e Eva terem comido o fruto proibido, a pergunta do criador (“Adão, onde estás?”) é típica de um solitário carente. Então Mr O’Brien lembrava o Deus do Velho Testamento, o Deus criador, mas também o Deus amedrontador. Não é à toa que ele é criador, tem inúmeras patentes. Não é à toa que ele faz de seu filho jardineiro, assim como Deus fez de Adão o responsável pelo jardim do Éden.
Mas voltemos às patentes. O que Mr. O’Brien ganhou com elas? Não obtém lucro e reconhecimento. Ao mesmo tempo, seu filho parece também não obter reconhecimento. Imagem e semelhança? Esse é outro ponto que o filme parece por em discussão. A relação entre pai e filho pode ser vista entre criador e criatura ou, mais amplamente, entre o homem e quem o criou. De fato, somos gratos ao fato de estarmos aqui? Olho para o céu agora pela janela do meu quarto, vejo as nuvens passando enquanto ouço Smetana, mas quando nos maravilhamos desse espetáculo que nos rodeia? Quando agradecemos o fato de fazermos parte dessa criação maravilhosa? Não valorizamos esse milagre que é estar aqui.
Outro tema pode ser puxado dessa perspectiva. Há dois tipos de deus (e não estamos contentes com nenhum deles), o sempre presente, que controla tudo. É o que está em boa parte do Velho Testamento. É o Mr. O’Brien nos anos 50. O controlador, o terror, o sufocador. E o que gera em suas crias uma submissão cheia de crises de consciência. Não é isso que o cristianismo mais caturro gera – insegurança simbolizada nos ombros retraídos das crianças do filme? O outro deus é o ausente, que parece nem ouvir nossas preces. O nosso menino tem isso em mente: por que Deus permitiu o outro de se queimar? Por que Deus permitiu que o menino morresse afogado? Por que Deus não mata o meu pai? Onde está Deus? Parece ser essa uma questão muito forte e ao mesmo tempo muito latente no filme? Onde está Deus? Por que ele levou meu irmão aos 19 anos?
Nesse ponto, entra o livro de Jó. Quem o homem pensa que é para questionar Deus? Se o filme fosse simplesmente por esse caminho, acho que seria ruim. No começo eu até cheguei a pensar que iria, como se fosse uma filmagem de A Cabana. Mas ele se mostrou algo mais do que isso. Há no filme a constante necessidade de elevação, porque esse parece ser o impulso básico da vida. É recorrente a ideia de subida – subir a escada apareceu várias vezes, subir pelo elevador, as árvores que apontam para o alto. Duas imagens que você postou aqui reforçam isso. A das árvores e a da espiral. E no yoga fala-se muito dessa espiral de elevação (kundalini). Isso me faz entender que a elevação não é simplesmente em aceitar Deus como Jó fez. Se fosse só isso, esse seria um filme cristão e, portanto, limitado. Ele fala de uma necessidade atual num mundo em que Deus parece estar ausente, morto ou sem comunicação conosco (ele não nos entende ou não o entendemos?). A nossa consciência precisa se elevar para um outro nível. O abraço parece indicar isso. Temos que nos unir. Adquirir noção que somos todas uma coisa só. A nova religião que está surgindo é isso. A consciência holística. O mesmo tema que apareceu em Avatar. Mas, olha que engraçado, o mesmo tema, mas tratado de formas diferentes. Em A Árvore da Vida a pegada é muito mais forte e sublime, a necessidade de elevação é estonteante. Ele te faz reavaliar a existência. Afinal, o que Jó deve ter entendido, nossos dramas nada significam diante dos mecanismos de funcionamento do universo. O que não significa que não tenhamos valor. Nós somos a maneira divina por meio da qual o universo toma conhecimento sobre si mesmo. Lembro uma frase de Carl Sagan – “we are a way to the cosmos to know itself”. É isso que fazia o menino do filme extremamente encantador para mim. Você percebeu como ele era curioso, olhava tudo, observava tudo.
Enfim, gostaria de falar mais coisas, mas preferi pincelar apenas esses tópicos para não parecer chato e cansativo. Muito obrigado pelo prazer que você me proporcionou com sua crítica, muito rica e muito bem elaborada. Você conquistou um fã.
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Amigo,
Belíssimo post. Complementou bem a ótima crítica/ensaio.
Fiquei curioso para saber qual é o curso em questão (aulas)…
Bode
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Matheus,
Parabéns pela crítica, que também poderia ser chamada de ensaio. Também sofro do mal dos textos longos, por isso talvez não tenha feito ainda uma crítica do filme. Mas o texto está muito bom, as reflexões religiosas e psicológicas muito bem colocadas. Não tinha como ser diferente.
Ao contrário de uma crítica, publiquei um registro de discussões que já tive sobre o filme. Idéias, algumas minhas outras não, que valem a pena serem registradas. Acho que você vai se interessar em ver:
Com relação ao seu texto, coloco algumas divergências, apenas como prática de uma boa discussão:
– Para mim, a mãe (Mrs. O’Brien) está muito mais para o superego, do que para o ego. O ego é o mediador, o “racional”, ela está mais para o moral, o correto, você não acha? Dentro da perspectiva psicológica, ela seria a personagem com o id reprimido e superego inflado, o contrário do pai. O ego não é necessariamente altruísta, ele também é pragmático e “egoísta”, apenas racionaliza.
– No texto comento sobre a cena do dinossauro e, se você me permite, discordei de você (assim como do Pablo Villaça) no que diz respeito a ter sido um “ato misericordioso”. Para mim tem tudo haver com o conflito Natureza x Graça, e por isso existe mais de uma explicação (fico mais propenso a explicação natural). No texto detalho mais.
– A composição das tomadas, com a câmera sempre baixa, rente ao chão, para mim tem haver com a visão do Jack (criança). O filme todo é visto pela sua “janela”. Também falo sobre isso no texto.
Abraços,
Bode
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Oi, Marcelo (prefiro te chamar pelo nome). Pois é, meu caro, me expressei mal no parágrafo de Mrs. O’Brien. Deveria ter dado mais atenção para a personagem, mas o que vc escreveu está corretíssimo. Cometi um leve equivoco ao dizer que ela é o ego perfeito. Com certeza o superego é a característica mais notável da personagem… Eu reli o texto e jurava que tinha escrito superego para defini-la. Foi um erro meu, peço desculpas aos leitores pela falta de atenção.
A cena do dinossauro é extremamente complicada de interpretar. Se levarmos em conta que os raptores sempre caçavam em grupo, aquele pequeno dino deve ter ido desta para melhor. Preciso rever o filme. Hoje, minha capacidade de interpretação evoluiu bastante desde a época em que escrevi o texto. Eu li seu texto e fiquei espantado porque de primeira instância, minha visão era exatamente igual a sua. Entretanto, por algum motivo, mudei de opinião – a sua é tão válida quanto a minha, mas não me recordo se os raptores tinham um gosto culinário tão requintado.
Malick gosta muito de trabalhar com essa câmera baixa. Sim, pode ser isso que vc apontou (muito mais interessante), mas creio que o diretor tinha a intenção de deixar o espectador sempre próximo dos personagens criando um forte laço entre as audiências com sua obra.
Muito obrigado pelos elogios, caro. O texto, em questão, foi apenas um passatempo que resolvi escrever num dia chuvoso. Não era nenhum trabalho para nenhum curso hehehe. Ainda curso o terceiro ensino médio, mas estamos acabando essa fase tão hedionda da vida.
Abraços, amigo! Espero ansiosamente seu retorno!!!!
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Amigo,
É um filme espetacular que dá espaço para várias interpretações. Que bom que coincidimos em algumas. Mais uma vez parabéns pela crítica. Vou ler a sua do Rei Leão, que tá na lista de pendências :).
Abraços.
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Coincidimos em vários opiniões, Marcelo. Vou responder seu comentário lá no post do “Rei Leão”.
Agradeço novamente os elogios.
Abraços!
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Essa foi a crítica/análise de “A Árvore da Vida” mais completa que eu já li. Acho que o filme entra no panteão das grandes obras-primas do cinema – ao lado de “2001” e “Fonte da Vida”, por exemplo – e é importantíssimo para nosso tempo. Tive análises diferentes de você em alguns momentos; acho que em alguns pontos, Malick fala da grandiosidade da Criação. A gente olha aquela longa sequência da construção da vida, do universo e tudo mais, e se pergunta qual a importância do drama familiar de um menino americano que sofre repressões como tantos outros, mas em contrapartida a câmera do diretor foca sempre nos olhos do menino, no rosto do garoto, em suas mãos e seus pés, que fica impossível não notar que ele é a obra mais importante de Deus – mesmo sendo, também, a mais desprezível. É um daqueles filmes para se ver várias vezes, a cada momento que você assiste você descobre algo novo, e isso é bem legal – quando nos últimos anos tivemos um filme forte e desafiador como este?
Ah, sem falar que o filme nos revelou a Jessica Chanstain, né? Fiquei apaixonado pela atriz e estou ansioso para o lançamento nacional de “Vidas Cruzadas”, próximo filme com ela.
Abraço!
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Eu amei o papel da Jéssica. E o Brad comia ele com garfo e faca, não via um filme bom com ele desde o FIGHT CLUB!
Lindo!
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Desculpe, Matheus…. achei o filme uma grande merda… uma das maiores que eu já vi ….
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Que pena, Lu. Depois de ler o texto inteiro vc não achou um pouco melhor? Classifique-o como lixo que é melhor que merda hehehe.
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